segunda-feira, 19 de maio de 2014

Deixa eu ver: se o share do produto caiu, talvez possa estudar uma nova ação de ponto de venda. Maria, não esquece de dar o antibiótico para a Júlia às quatro. Talvez criando um teaser para a campanha  possamos criar interesse. Não posso esquecer do detergente. Ou com uma alteração de markup. E peito de frango para o jantar. Com esta tabela no excel consigo demonstrar bem a rentabilidade. Boa tarde, queria marcar luzes e escova para amanhã. Pronto, um gráfico para gerar fácil visualização da nova estratégia. Droga, rasgou a meia calça. Perfeito.
- Marina, tudo pronto para a reunião?
- Sim, finalizei agora
- Como você consegue ser tão rápida?
- Foco, chefe. Foco...

Hormônios

- Você está tão lindo hoje
- Obrigado. Será que é a camisa?
- Sim, combina com seus olhos
- Bem...
- Que felicidade é essa?
- Ué, você acabou de me elogiar
- Sim, mas esta empolgação passou um pouco dos limites
- Que limites, Ana? Apenas gostei
- Sei...
- Não começa!
- ...
- Esta chorando?
- Detesto quando você fala assim comigo
- Ana, eu não disse nada
- Foi o tom
- Que tom? Esquece... desculpa
- Admiro isso. Desculpo
- Admira?
- Sim. Sua facilidade em desculpar-se quando erra
- Eu errei?
- Claro
- Mas... 
- Mas admiro sua postura. Já eu, sou sempre mais durona
- É
- É? Você me acha uma pedra de gelo, né? Pode falar
- Eu não acho absolutamente nada. Estou pensando seriamente em voltar para a cama
- Sempre assim, sempre assim
- Sempre o que?
- Você foge das discussões 
- Não estou fugindo. Apenas ficando cansado, não tem motivo...
- Cansado de mim?
- Ana, você é a mulher da minha vida. Vamos relaxar?
- Certo. Mas você me ama?
- Todos os segundos da minha vida
- Mesmo quando estou com alguns quilos a mais? Ou quando acordo descabelada? Até quando durmo de meias?
- Sempre. Ana, nascemos um para o outro, lembra?
- Sim. Eu gosto de granola com canela
- Eu também
- Amo o entardecer
- Eu também
- Sonho em poder um dia morar no campo
- Eu também 
- Está bem. Às vezes acho que estes hormônios da gravidez vão me enlouquecer
- Eu também...
- ...

terça-feira, 6 de maio de 2014

De cabeça para baixo

Eu me achava sem paciência
Eu gostava de dormir
Eu não sabia gritar
Eu era infalível
Eu acreditava que não tinha tempo
Eu colocava a comida na boca, mastigava e deglutia
Eu fazia yoga
Quando estava sem tempo, o jantar era miojo
Eu escolhia a estação de rádio
Eu retornava as ligações 
Eu carregava uma bolsa leve
Eu fazia happy hours
Eu chegava em casa e curtia o silêncio 
Eu achava que o cúmulo da preguiça era tirar a maquiagem depois de uma festa
Eu tomava banho de porta fechada
Eu tinha uma casa arrumada
Eu achava que puerpério fosse uma espécie de molusco
Eu não comia alimentos babados
Eu usava brincos compridos
Não sabia de cor o número de telefone de nenhum médico
Eu ouvia um choro em local público e permanecia sentada
Eu escolhia o restaurante independente se ele tivesse batata frita.
Daí eu tive filhos
O molusco virou caos. O yoga, colo. O miojo, feijão. O banho, público. A batata, gourmet
A vida virou de cabeça para baixo
E assim ela passou a fazer todo sentido.







sábado, 3 de maio de 2014

Paulista nos Pampas: manual de adaptação

São quase onze anos de Rio Grande, um tempo enorme para quem achava que arrumaria as malas antes de completar o primeiro. E - bah - que estado cheio de peculiaridades. 
Está vindo passar uma temporada nos Pampas? Então aqui vai um pequeno manual de sobrevivência que aprendi ao longo dos anos. 
- Sorvete na praia? Que nada, tome chimarrão
- Bah, uma palavra mágica. Serve para "uau", "que horror", "que linda", "que medo", "meus pêsames", "parabéns"...
- Quando quiser comer um churrasco gostoso, visite um paulista
- Você passará anos insistindo que o Pão de Açúcar é insubstituível, até finalmente concordar: o Zaffari é melhor e definitivamente, economizar é comprar bem
- O resto do Brasil perde em não incorporar a palavra 'atucanado', que consegue traduzir um misto de emoções e ações em apenas um termo
- Jamais chame a bomba de 'canudo de chimarrão' ou a pilcha de 'roupa de gaúcho'. E conforme-se: caso tenha uma filha gaúcha, ela vai achar lindo o vestido de prenda
- Aqui as mulheres são lindas. Get used!
- O trânsito é maluco. Get used 2!
- Jamais discuta quando alguém disser que o por do sol do Guaiba é o mais lindo do mundo. É motivo de comoção local. 
- Esqueça a segunda pessoa na conjugação verbal. Aqui, tu não viste, "tu viu"
- Se você não tiver casa no litoral gaúcho, não veranear ou não sonhar com uma casa em Punta, as pessoas te olharão com estranhamento e perguntarão "mas o que tu faz no verão?"
- Peixada não é prato típico 
- Se você perguntar a fulano se ele irá na festa amanhã e ele responder "bem capaz", não responda "ah, então nos vemos lá"
- Quer falar mal de alguém com uma amiga em local público? Invente codinomes. Aqui todo mundo conhece alguém, que conhece alguém e certamente a guria da mesa ao lado veraneava com a razão de seu desafeto
- Em São Paulo, as pessoas exibem-se "ontem fui a um restaurante maravilhoso, deixei quinhentos reais". Aqui é diferente "ontem fui a um restaurante maravilhoso e ainda deixei só trinta pila"
- É empresário? Inspira, expira e mentaliza uma luz azul. Muita calma nessa hora
- Apesar dos gaúchos serem completamente bairristas e bradarem que "Deus é gaúcho", caso você seja paulista, escutará constantemente: "mas o que tu veio fazer aqui?"
- Existe uma versão local de "parabéns a você". Pois é
- O inverno aqui é um charme e os cafés com mesinhas na rua, maravilhosos
- Você acha que passou calor naquele verão em Fortaleza? Aguarde
- E, com e apesar de tudo, após onze anos, você visitará São Paulo cantarolando "Porto Alegre é demais..."