quarta-feira, 11 de março de 2015

CAFÉ OU EDUCAÇÃO OU HÁBITOS AD INFINITUM

- Você é incrível!
- Ah, vai... Até parece.
- Não, verdade. Gostamos das mesmas coisas, pensamos da mesma forma, precisávamos nos encontrar mais vezes.
- Isso é verdade.
- É raro conhecermos pessoas assim, com tantas afinidades.
- Tem razão. Às vezes me sinto uma extraterrestre conversando com os outros.
- Obrigada, fico feliz ao escutar isso. Bom, vamos pedir?
- Vamos sim... Deixe eu dar uma olhada no cardápio.
- Claro...
- Interessante, tem opções diferentes. Mas não adianta: vou no bom e velho café espresso.
- Você gosta de café?
- Vício completo. E você?
- Abomino.
- Sério?
- Seríssimo. Me recuso a consumir uma substância que reduz a oxigenação de neurônios.
- Imagina... A cafeína é rica em antioxidantes. Além de fonte importante de magnésio.
- Que você perde imediatamente por causa da ação diurética.
- Você está exagerando. Café é uma delicia, estimulante!
- Para que acha que ansiedade é um estímulo, com certeza.
- Ahã...
- Sei lá, só uma opinião. 
- Não, tranquilo...
- ...
- ...
- ...
- ...
- ...
- ...



sexta-feira, 6 de março de 2015

O oitavo dia

- Ai, ai...
- O que foi, Senhor?
- Está monótono demais aquele planeta.
- A Terra?
- É. Eu criei a terra, a água, os animais, o homem e tal. Deu trabalho, eu caprichei. 
- Eu lembro. O Senhor passou um dia inteiro descansando depois.
- Achei que poderia ser mais emocionante.
- Ah, sei lá. Eu até acho que eles brigam bastante.
- Isso é verdade, adoram uma guerra. Mas o cotidiano é meio pacato.
- Por que?
- Cada um tem sua função. Eles se organizaram demais. Esperava um roteiro menos água com açúcar.
- Será que a culpa é da mulher? Ela cuida das crianças, do marido, da casa, faz supermercado, tricota, cozinha. Basicamente, não faz nada.
- De repente é isso.
- Dá um jeito, elas poderiam se revoltar.
- E querer trabalhar, como os homens?
- É.
- Hummmm.
- Imagina o mote "queremos direitos iguais".
- Mas quem iria cuidar das crianças, do marido, da casa e tal...?
- A princípio elas também, ué?!
- Não vai dar certo...
- Por isso mesmo. O Senhor não queria algo menos organizado?
- Verdade.
- Será um caos!
- Já consigo até visualizar: com elas, serão mais profissionais no mercado, os homens passarão a ganhar menos, as mulheres ficarão sobrecarregadas, mas acabarão trabalhando fora por obrigação de trazer dinheiro para casa. Os homens terão que ajudar no lar e ficarão sobrecarregados também. A rotina será maluca. Eles brigarão mais, acusando-se mutuamente de "quem faz o que" pela família. Acabarão os dias exaustos, frustrados, cheios de obrigações inacabadas. Ninguém saberá mais o seu papel. 
- Será o fim da monotonia.
- Perfeito! Em que ano eles estão?
- Depende da, da... Como eles chamam?
- Religião.
- Isso. Acho que naquela bem difundida estão em meados de 1960.
- Está cedo ainda.
- O ibope aqui irá - sem trocadilhos - aos céus.
- É isso!
E no oitavo dia, Deus mudou o roteiro. 



quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Anitor

"Não querem perder o marido? Transem em cima do lustre, entre outras coisas"
(Professora da faculdade, juro!)

- O Maurício anda me cobrando. Eu chego exausta em casa. Falem sério, quantas vezes por semana na casa de vocês?
- Três.
- Du... Três.
- U... Três.
- Três. 
- Eu faço até em cima do lustre! 
Boquiabertas, todas admiram a amiga ninfomaníaca.
- Serio Ana? Quantos anos de casada?
- Dez.
Pensam pedir um autógrafo, mas Ana continua...
- Entre outras coisas.
Frenesi. 
- Verdade? 
- Ahã.
- Que outras coisas?
- De tudo um pouco. Gente, se não fazemos em casa, o marido procura fora.
- Por mim, fique à vontade.
- Ai, Clarice!
- Mas falando sério...  Como é, Ana? 
- Garçom, traz outro espumante, por favor?
Ana era uma referência. Moderna e vanguardista desde os tempos em que todas eram solteiras. Mas depois de dez anos, em cima do lustre? Mauro devia ser um homem muito feliz, todas tinham certeza.
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- Mauro, hoje é terça...
- Claro... Ana, estou para te sugerir algo há tempos.
- Fala...
- Um dia bem que podíamos tentar a cama...
- E cair na rotina?
- Mas deve ser mais confortável. Imagina que delicia, sábado à noite, na cama?
- Sábado? Cama? 
- Está certo. Te encontro no horário de sempre?
- Sim, às dez, em cima do lustre. Pode deixar que eu levo todas as coisas.

Nota da autora: aos dezoito anos, a professora me parecia a guru da sabedoria. Aos trinta e quatro, nada mudou. Essa é apenas uma tentativa de desmascará-la (é isso ou um fã clube). Claro que ainda podemos considerar a hipótese dela não ter tido filhos. Continuarei formulando teorias, pelo bem da nossa auto-estima.