quinta-feira, 28 de agosto de 2014
Felicidade em vinte vezes sem juros
terça-feira, 26 de agosto de 2014
Brigadeiro de colher
segunda-feira, 25 de agosto de 2014
Terapia de casal
quinta-feira, 21 de agosto de 2014
O planeta sem margarina
Uma das mudanças mais interessantes que a maternidade proporciona é a intimidade súbita entre mães: você sentada numa mesa de restaurante, quando chega outra mulher com duas crianças a tiracolo, uma berrando, a outra pedindo para fazer xixi e imediatamente vocês se reconhecem sorrindo mutuamente, como que dizendo "Olá conterrânea planetária". Sim, porque se os homens são de Marte e as mulheres de Vênus, as mães definitivamente compõem uma subclasse distinta, ocupando uma extensa região do planeta feminino ou até, outro astro todinho delas.
E uma vez inseridas na categoria, ou advindas da tal região extraterrestre, passam a trocam intimidades como se fossem amigas de infância:
- Acho que a pega do meu bebê não esta correta. Ui. Arde quando ele mama.
- Peraí, eu te ajudo. Isso, senta mais para lá, deixa o seio nesta posição. Ahã, posso mexer? OK, isso. Viu?
- Nossa, ficou perfeito.
E assim, numa fase em que você considera que 'O que esperar quando se está esperando' mereceria o Nobel de literatura, que a única política interessante é a de trocas e devoluções da loja infantil mais próxima e na sua última viagem mal notou a paisagem, mas tirou quatrocentas e vinte fotos do seu filho, vocês tem umas às outras, já que para o resto da sociedade passaram a ser aquela mulher que 'Afe, não fala de outra coisa'.
- Vocês viram a situação da Ucrânia?
- Ahã.
- Hum... Não muito.
- Gente, faz oito dias que o Fabinho acorda de três em três horas a noite toda.
- Não acredito, já tentou o Nana Nenê? Tem gente que detesta mas em casa funcionou.
- Eu prefiro a técnica da Encantadora de Bebês. Quando ele chorar, entra no quarto...
O mercado já notou esta explosão de hormônios e necessidade de agregação, passando a oferecer serviços voltados para o público materno:
- Esta hidrodinástica é ótima, a gravidez me deixa com retenção de líquidos
- Isso que você ainda está no segundo trimestre. Eu mal ando. Sexo então, nem pensar.
- Aliás, prazer, Anabela
- Prazer, Juliana
Então, passada a fúria da carapuça que vestiu com o tal texto, resolvi relaxar. Afinal, cada um que converse com seus iguais. Quem sabe um dia, conterrâneas, também não sentemos numa tarde silenciosa, jogando conversa fora, discutindo política, Nobel de literatura e viagens culturais? E quando bater a fome:
- Garçom, me traz uma porção de margarina?
quinta-feira, 14 de agosto de 2014
Varal bege
Da janela da área de serviço, conseguia enxergar o que se passava no apartamento dos vizinhos. Era a parte lateral do pequeno edifício e onde encontravam-se os estendedores de roupas do 101 ao 804.
Sabia, por exemplo, que a vizinha do 502 era artista, pelos aventais manchados de tinta. O casal do 404 era metódico, combinavam sempre os pijamas e a roupa de cama. O estendedor na janela do senhor do 704, quase sempre vazia, denunciava que ele devia mandar as roupas para uma lavanderia ou simplesmente, a esta altura da vida, tinha desistido de cheirar a sabão em pó. A vizinha ruiva do 303 - intrigante - lavava apenas lingerie. A família do 201 tinha acabado de aumentar. O rapaz do 703 terminara um relacionamento. O extravagante músico do 803 misturava roupas coloridas às brancas na máquina de lavar. A senhora de meia idade do 202 aumentara consideravelmente o tamanho dos seios. Os recém casados do 401 eram fãs de chantilly. E Ana imaginava se os vizinhos também conseguiam desvendar pequenos detalhes da vida dela analisando seu varal, monótono, coberto de roupas de tom bege.
O curioso, no entanto, é que apesar da intimidade exposta no edifício Saint Tropez, os vizinhos cumprimentavam-se apenas com um aceno de cabeça e no máximo um "Esfriou, né?" ao cruzarem-se nos corredores, no elevador ou na garagem. Sabiam a cor da roupa íntima que o outro usava, detalhes de sua vida privada, de sua situação estomacal, mas não ousavam cruzar a barreira do manual politicamente correto da impessoal vida em cidade grande:
- Olá
- Boa noite
- Tchau
- Até mais
Então chegou o dia da reunião de condomínio, que ocorria a cada seis meses sempre convocada pelo síndico, o senhor de poucas roupas no varal. Ana desceu de roupa bege e um rabo de cavalo, exatamente como seu varal sugeriria a um vizinho mais atento.
Foi lida a pauta do encontro e, após definirem repintar o teto azul do hall, podar o Ficus da entrada e escolher um local apropriado para o carrinho de compras, abriram o espaço para assuntos gerais. O rapaz do 703 começou:
- Temos vizinhos que não respeitam o horário de silêncio...
- Ih começou!
- Sim, comecei. Gosto de dormir cedo.
- Cara, é minha profissão. Pior você, que não recolhe as necessidades de seu cão na calçada.
A senhora dos seios grandes entrou no debate:
- Não critiquem os animais, não critiquem os animais.
- Ah é, minha senhora? E seu papagaio que imita o som de assoar o nariz?
- Imita do vizinho de cima.
- Eu?
- Sim. Poderia ser mais silencioso, não?
- Minhas intimidades não dizem respeito a você.
E os ânimos começaram a se exaltar. Levantaram-se, xingaram gerações anteriores e futuras, apontaram o dedo para imperfeições diversas. Ana permanecia observando. Até que pisaram em seu calo:
- Culpa da vizinha bege!
- Eu?
- Sim. Sua cantoria no banheiro é absolutamente irritante.
- Irritante é olhar suas calcinhas minúsculas e multicoloridas dia após dia!
- Invejosa!
- Exibida!
No instante seguinte, estavam rolando pelo chão, puxando os cabelos uma da outra. A vizinha da lingerie teve um apoio maciço do público masculino, o que deixou a noiva do 401 visivelmente alterada (provavelmente esta noite não teria chantilly). O síndico pediu a palavra:
- Agradeço a presença de todos, mas já são dez da noite. Assuntos pendentes serão tratados na próxima reunião e assim, dou por encerrado este encontro.
Todos levantaram-se, pegaram seus pertences e saíram porta afora. Dividiram o corredor e o elevador como desconhecidos, com rostos plácidos e seguindo o protocolo politicamente correto da vida em cidade grande, despediram-se:
- Boa noite
- Tchau
Ana entrou em seu apartamento e foi direto recolher as roupas do varal. 'Vizinha bege' era demais, a sirigaita do 303 que aguardasse a próxima reunião. E até mais.